Foto: Nelson Jr./SCO/STF
O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, decidiu nesta quarta-feira (28) remeter ao plenário da corte a discussão que levou à anulação da sentença imposta por Sergio Moro contra Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil.
A condenação foi anulada no dia anterior pela Segunda Turma do STF, por 3 votos a 1, abrindo precedente favorável a outros condenados que seguiram procedimentos semelhantes na Lava Jato – do ex-presidente Lula ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
Com a decisão de Fachin, na prática, esse efeito cascata sobre os outros processos da operação dependerá da decisão do plenário do Supremo, formado por 11 ministros.
Fachin decidiu enviar a discussão ao plenário afirmando ser preciso preservar a segurança jurídica e a estabilidade das decisões do Supremo, uniformizando os entendimentos das duas turmas existentes.
A Segunda Turma do STF – composta por cinco ministros, mas que teve Celso de Mello ausente na terça – decidiu anular a condenação de Bendine sob a justificativa de que as defesas apresentaram suas alegações finais nos mesmos prazos, sem distinção entre réus delatores e demais réus acusados.
A corte viu nessa prática um cerceamento ao direito de defesa, porque os delatores trazem acusações que, ao final, não podem ser rebatidas.
Esse procedimento foi repetido ao longo do período em que Moro conduziu os processos como juiz em Curitiba. Ele também foi comum nos processos que geraram condenações somadas de mais de 200 anos de penas a Cabral na Lava Jato do Rio, comandada pelo juiz federal Marcelo Bretas.
O pedido de habeas corpus que Fachin enviou para a discussão no plenário foi feito pelo ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, também condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.
O regimento interno do STF, segundo ele, faculta ao relator de um processo submetê-lo à análise de todos os ministros quando houver relevância da controvérsia jurídica ou necessidade de prevenir eventual divergência entre turmas.
Na Segunda Turma, votaram pela anulação da condenação de Bendine os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Fachin foi vencido.
Caso os ministros do Supremo decidam que outros réus merecem esse mesmo benefício, processos já encerrados na primeira instância, com réus em estágio avançado de cumprimento de pena ou até beneficiados por indulto, também podem ser revistos.
A decisão foi considerada uma das principais derrotas da história da Lava Jato.
Os procuradores de Curitiba afirmaram que a legislação não prevê essa diferenciação entre réus delatores e não delatores e não estipula que uns tenham que ser ouvidos antes dos outros. Eles também afirmaram que, com a possível anulação de outras condenações, alguns crimes podem prescrever antes que seja proferida nova sentença.
Além de Lula e Cabral, a decisão abriu precedente que poderá beneficiar os principais processos do núcleo petista condenado, como no caso do ex-ministro José Dirceu.
Um primeiro desdobramento ocorreu já nesta quarta, com a determinação do próprio Fachin para que uma ação penal referente ao Instituto Lula retroceda etapas.
O ministro mandou voltar para a fase das alegações finais da ação penal a que Lula responde em Curitiba sob acusação de receber da Odebrecht um terreno destinado ao Instituto Lula. Com isso, esse processo, que já estava pronto para ser sentenciado, deve levar mais tempo.
Além disso, a defesa de Lula entrou com um habeas corpus no Supremo nesta quarta para que seja estendido a outros processo do petista a medida que favoreceu Bendine. A condenação do petista no caso do sítio de Atibaia (SP) seguiu roteiro similar ao processo do ex-presidente da Petrobras.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) ainda não mensurou quantos processos podem ser afetados pelo novo entendimento do Supremo.
Questionada pela reportagem, informou que não faria esse levantamento e que a determinação da corte, por ora, só se aplica ao caso de Bendine, sem repercussão geral.
Entre os casos já julgados que podem ser eventualmente revistos, uma situação inusitada envolve o ex-senador pelo Distrito Federal Gim Argello. Depois de mais de três anos preso no Paraná, ele foi solto em junho com a concessão de indulto – benefício dado pela Presidência da República a presos por crimes não violentos.
A rigor, também em seu caso a Justiça Federal fixou prazo de alegações finais igual para delatores e delatados e poderia haver uma revisão da condenação, expedida em outubro de 2016.
No caso de Bendine, o Supremo não anulou todo o processo, mas determinou que ele voltasse para antes da fase de alegações finais na primeira instância. O ex-presidente da Petrobras já havia até sido julgado em segundo grau.
Como a delação premiada foi uma das bases das investigações da Lava Jato, a maioria das ações julgadas no Paraná envolvem delatores e delatados no mesmo processo.
A força-tarefa do Ministério Público Federal afirma que 32 das 50 sentenças já expedidas envolviam réus, com acordos de colaboração firmados com autoridades, que apresentaram alegações finais junto com suspeitos delatados.
A minoria que não se enquadra nesse roteiro trata, por exemplo, de acusações dos primórdios da operação, antes dos primeiros acordos de delação.
O ex-deputado Eduardo Cunha, preso desde 2016, é uma exceção: foi julgado individualmente por Moro em um caso desmembrado que começou a ser analisado na época em que ele tinha foro especial.
No DF, Cunha foi condenado em primeira instância, em 2018, por desvio de recursos da Caixa. O juiz responsável, Vallisney de Souza Oliveira, também fixou prazo comum para alegações a todos os réus, entre eles três delatores.
Algumas das sentenças mais antigas que poderiam ser revistas no Paraná incluem casos de condenados que posteriormente fizeram acordos de delação e que hoje não teriam mais interesse em recorrer das penas aplicadas.
O ex-ministro Antonio Palocci, condenado por Moro em 2017, saiu da cadeia no ano passado após firmar acordo com a Polícia Federal, e agora está no regime aberto, em que a restrição maior é permanecer em casa à noite e nos finais de semanas.
Pelo teor da decisão do Supremo, Palocci também poderia se beneficiar de uma revisão, assim como outro ex-expoente petista, o ex-tesoureiro João Vaccari, que é um dos mais longevos presos da Lava Jato. Está detido no Paraná desde 2015.
Nos últimos anos, políticos e empresários alvos da Lava Jato já haviam levantado na primeira instância a controvérsia decidida pelo Supremo.
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Fonte: FolhaPress